Duas testemunhas foram ouvidas na
tarde desta quarta-feira (29) pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do
Shopping Popular, instalada na Câmara para investigar possíveis irregularidades
nos contratos envolvendo o consórcio gestor do Shopping Popular com a
Prefeitura e com os comerciantes, transferidos do centro da cidade para o
empreendimento. Lucas Henrique Santos Soares, representante do setor de
artesanato, e Rogério Gutemberg Conceição, que era integrante do Sindicato dos
Camelôs (Sindicame) na época da implantação do shopping, explicaram aspectos do
projeto, descreveram algumas reações dos trabalhadores e contradições
detectadas ao longo do processo.
Os depoimentos foram prestados ao presidente da CPI, Jhonatas
Monteiro (PSOL), relator Luiz da Feira (Avante) e membro Silvio Dias (PT).
Lucas disse que, além do descumprimento de um Termo de Ajustamento de Conduta
(TAC), firmado entre o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia
(IPAC), a Associação dos Artesãos de Feira de Santana e a Prefeitura Municipal,
visando a imediata paralisação da construção do Shopping Popular, a obra também
registrou problema de falta de fiscalização por parte do Conselho Regional de
Engenharia e Agronomia da Bahia (CREA).
Questionado sobre as iniciativas adotadas pela associação no
intuito de resguardar a área do Centro de Abastecimento (local da instalação do
shopping) como patrimônio, devido às diversas manifestações culturais
existentes no entreposto comercial, ele afirmou que a entidade buscou ajuda
junto ao IPAC. O instituto conseguiu fazer uma reunião onde ficou estabelecido
um acordo de não continuidade da obra até nova orientação do órgão. “Mas, o
Município descumpriu o acordo. Manteve a obra normalmente e não destinou um
espaço específico para o artesanato. A gente foi remanejado para um galpão onde
ficaria por dois anos no máximo, mas o pessoal ficou até o início de 2023 lá”,
disse Lucas.
Manifestações culturais que marcavam o local como o caruru de
Santa Bárbara e a Feira do Chapéu, não acontecem mais. “A cultura em si, por
lá, acabou”, admitiu. Falta de diálogo por parte do governo municipal é mais um
aspecto negativo apontado pelo depoente. “A associação nunca foi informada ou
chamada a dar sugestões. Na verdade, a ideia de que teríamos que sair do local
para dar lugar ao empreendimento foi empurrada à força”, explicou. Segundo ele,
em razão disso houve confrontos: “Ocorreram porque a Prefeitura só agia em
finais de semana e no período da noite para retirar as barracas. Até um
exemplar da árvore pau-brasil, que ficava no estacionamento do Centro de
Abastecimento não foi preservada".
Por sua vez, Rogério Gutemberg disse que percebeu a
inviabilidade após realizar uma pesquisa básica na internet, verificando vários
projetos sob responsabilidade do consórcio que não deram certo. “Um dos
dispositivos citados no edital como respaldo ao empreendimento seria a Lei dos
Serviços Públicos. Mas para algo ser considerado serviço público, de acordo com
esta legislação, tem que ter eficiência, ser universal e ter modicidade de
tarifa (garantia de acessibilidade ao serviço para todos os usuários). O caso
em investigação, ele afirma, "não é eficiente e tem falta de
transparência”, assinalou.
Para o ex-integrante do Sindicato
dos Camelôs, a obra de construção do Shopping Popular sempre esteve envolta em
mistério. “Tenho vários ofícios que foram encaminhados, solicitando
informações, mas a Prefeitura sempre ignorou todos”, ressaltou, ao garantir que
nunca recebeu convite da administração municipal para tratar de alterações no
projeto. “Em fevereiro de 2014 fomos surpreendidos com notícias divulgadas nos
veículos de comunicação sobre conversas feitas pelo então secretário, Borges
Junior, com várias categorias, para anunciar o Shopping Popular, numa área de
32 mil metros quadrados, na rua Olímpio Vital. Nós, do sindicato, nem fomos
convidados”, desabafou.
Outra questão levantada pelo sindicalista é o da relação
desvantajosa para a Prefeitura em relação às garantias para o consórcio,
situação que ele classificou como “draconiana”. Em pesquisa realizada, acabou
sendo encontrada uma minuta da parceria onde todo o ônus ficava com o Município
e os bônus só para a empresa. “Como poderia isso? Destinação de recursos
públicos no valor de R$ 13 milhões, incrementado depois com aditivos alegando
na imprensa que a empresa estava sem pagar. Aí, pedimos acesso aos detalhes
pela Lei de Informação, mas não responderam. Era um processo totalmente
obscuro”, afirmou Rogério Gutemberg.